O Nascimento do Cálculo

Para realizar um estudo completo sobre as origens, desenvolvimento e conseqüências do Cálculo, necessitaríamos de uma pesquisa muito extensa cujo resultado final seria, sem dúvida, um texto longo que estaria além do propósito deste trabalho como um todo. O nosso intuito é o de dar uma apresentação geral que contenha alguns fatos importantes que permeiam os acontecimentos históricos relacionados com a construção desta poderosa ferramenta da matemática: o Cálculo. Além disso, gostaríamos que ficasse claro que essa construção é o resultado de diversas contribuições de muitos personagens, como ocorre de modo geral, com o conhecimento humano.

Convidamos também o usuário a apreciar alguns fatos interessantes que estão presentes no site, assim como encorajá-lo na visita às páginas dos matemáticos que aqui aparecem para conhecer um pouco a história de cada um.

As contribuições dos matemáticos para o nascimento do Cálculo são inúmeras. Muitos deles, mesmo que de forma imprecisa ou não rigorosa, já utilizavam conceitos do Cálculo para resolver vários problemas - por exemplo, Cavalieri, Barrow, Fermat e Kepler. Nesse tempo ainda não havia uma sistematização, no sentido de uma construção logicamente estruturada. A união das partes conhecidas e utilizadas até então, aliada ao desenvolvimento e aperfeiçoamento das técnicas, aconteceu com Newton e Leibniz que deram origem aos fundamentos mais importantes do Cálculo: as Derivadas e as Integrais.

O Cálculo pode ser dividido em duas partes: uma relacionada às derivadas ou Cálculo Diferencial e outra parte relacionada às integrais, ou Cálculo Integral.

O Cálculo Diferencial: alguns fatos históricos

O aparecimento e desenvolvimento do Cálculo Diferencial estão ambos intimamente ligados à questão das tangentes. Desde a época dos Gregos antigos, já se conhecia a reta tangente como sendo uma reta que intercepta uma curva em um único ponto, generalizando a situação observada no caso da circunferência. Na realidade, essa idéia é muito imprecisa e precisamos de um tratamento bem mais rigoroso para a questão da tangente à uma curva.

Arquimedes e Apolônio utilizavam métodos geométricos, que diferiam entre si, para a determinação de tangentes a parábolas, elipses e hipérboles. Vários outros métodos para resolver o problema de encontrar a tangente a uma curva em um ponto foram desenvolvidos ao longo da história.

Na realidade, após os Gregos, o interesse por tangentes a curvas reapareceu no século XVII, como parte do desenvolvimento da geometria analítica. Como equações eram então utilizadas para descrever curvas, a quantidade e variedade de curvas estudadas aumentou bastante em comparação àquelas conhecidas na época clássica. A introdução de símbolos algébricos como uma ferramenta para estudar a geometria das curvas também contribuiu para o desenvolvimento do conceito de derivada. Com o tempo, o tratamento se tornou mais algébrico e menos geométrico, proporcionando um contínuo progresso no desenvolvimento dos conceitos de funções, derivadas, integrais e outros tantos tópicos relacionados ao Cálculo.

Pierre de Fermat foi o primeiro a considerar a idéia de famílias de curvas. Ele chamou, por exemplo, de "parábolas maiores", as curvas cujas equações eram do tipo, , onde k é constante e n = 2, 3, 4, etc.

Fermat elaborou um método algébrico para determinar os pontos de máximo e os pontos de mínimo de uma função. Ele encontrava geometricamente os pontos onde a reta tangente ao gráfico tinha inclinação zero, ou seja, buscava os pontos em que o coeficiente angular da reta tangente era nulo. Escreveu a Descartes explicando o seu método que é basicamente utilizado ainda hoje. Na realidade, devido a esse trabalho, que estava intimamente relacionado com as derivadas, Lagrange afirmou considerar Fermat o inventor do Cálculo.

A questão de encontrar a tangente a uma curva é, historicamente, de especial importância, pois, ao que parece, foi o que Newton pensou quando teve um insight sobre como utilizar tangentes para estudar o movimento dos planetas. O método para a determinação foi desenvolvido pelo antecessor de Newton, Isaac Barrow, e consistia no limite de uma corda com os pontos aproximando-se entre si.

Acredita-se que um dia, enquanto observava o movimento dos planetas, Newton tenha-se perguntado porque as órbitas dos planetas eram curvas, pois se fossem formadas por segmentos de retas seriam muito mais fáceis de serem estudadas. Por que não considerá-las como um conjunto de pequenas retas que, aproximadamente, representariam o movimento daquela curva? Este simples, porém genial insight significou para Newton o começo de uma longa e frutífera produção científica que englobou, entre outras coisas, as derivadas, as integrais e toda a base da mecânica clássica.

O estudo do movimento dos corpos havia começado de maneira sistemática com Galileo. Entretanto ele estudara o movimento geometricamente, utilizando as proposições de Euclides e as propriedades das cônicas de Apolônio para chegar a relações entre distância, velocidade e aceleração, que, hoje em dia, são aplicações básicas da derivada.

Vários matemáticos estavam, a essa altura, estudando problemas relacionados ao movimento. Torricelli e Barrow consideraram o problema do movimento com velocidades variadas. Já se sabia que a taxa de variação pontual - derivada - do deslocamento era a velocidade e que a operação inversa da velocidade era o deslocamento. Isso mostra que já existia uma certa noção da operação inversa da derivada, sendo que a idéia de que a integral era inversa da derivada era familiar a Barrow.

Para Newton, o movimento era a base fundamental para o estudo das curvas e de outros tópicos relacionados ao Cálculo. Newton escreveu o seu tratado sobre fluxions em 1666. Ele pensou em uma partícula descrevendo uma curva com duas linhas que se movimentavam e que representavam o sistema de coordenadas. A velocidade horizontal e a velocidade vertical eram as fluxões de x e y associadas ao fluxo do tempo. Os fluents eram x e y. Em linguagem moderna, seria a derivada de x com relação ao tempo, ou simplesmente x'(t) e seria analogamente a derivada de y com relação ao tempo ou ainda y'(t). Tanto os nomes quanto as notações de Newton foram deixadas de lado ao longo dos anos, prevalecendo a notação criada por Leibniz. Vale a pena notar, entretanto, que é ainda bastante utilizada pelos físicos quando a derivada em questão é em relação ao tempo e é dada a função deslocamento x=x(t); nesse caso, será a velocidade e será a aceleração.

Embora Newton tenha desenvolvido e revisto o seu Cálculo entre 1666 e 1671, nada foi publicado até 1736. Ele havia apenas mostrado os seus manuscritos para alguns colegas e amigos.

Leibniz, em 1672, enquanto vivia em Paris, encontrou-se com Huygens e com ele aprendeu muito e recebeu muitos conselhos que constituíram um forte impulso para que viesse a desenvolver o seu Cálculo Diferencial e Integral. Nesse período, ele estabeleceu contato com muitos dos matemáticos respeitados da Royal Society e, dentre eles, destaca-se Barrow. Leibniz teve acesso aos seus trabalhos e estabeleceu um longo período de correspondências. Seu Cálculo Diferencial tinha uma fundamentação bem diferente daquele de Newton. Leibniz não estudou o movimento para chegar aos conceitos de derivada e integral. Ele pensou nas variáveis x e y como grandezas que variavam por uma sucessão de valores infinitamente pequenos. Introduziu dx e dy como a diferença entre esses valores sucessivos. Embora Leibniz não tenha usado como definição de derivada, ele sabia que representava o coeficiente angular da tangente.

Há um capítulo especial na história do Cálculo: uma longa e quase sempre inescrupulosa disputa entre Newton e Leibniz sobre quem havia "criado" o Cálculo. Ambos não pouparam acusações picantes para descrever o outro e os seus feitos e geraram uma discussão acalorada no meio científico da época sobre quem seria a mais importante autoridade em Cálculo. Essa situação chegou a tal ponto que os matemáticos que viviam no Reino Unido se distanciaram durante um período bastante longo dos matemáticos do continente. Enquanto o Cálculo "Leibniziano" ganhava cada vez mais adeptos na Europa - entre esses a família Bernoulli - os matemáticos da "ilha", como dizem alguns historiadores, davam mais atenção às pompas e circunstâncias criadas para a cerimônia fúnebre de Newton na Abadia de Westminister. Durante ainda algum tempo, esses matemáticos ficaram um pouco "ilhados" e, quando voltaram a estabelecer relações com os europeus do continente, haviam não só perdido parte do avanço do Cálculo como também não compreendiam muito bem a notação "Leibniziana" então largamente utilizada.

Carl B. Boyer, em seu livro A History of Mathematics , afirma: Como conseqüência da infeliz disputa entre Newton e Leibniz, os matemáticos britânicos ficaram de certa forma alienados dos trabalhos do continente (...) e o desenvolvimento da Matemática não conseguiu acompanhar o rápido progresso dos outros países da Europa ao longo do século XVIII.

Apesar das diferenças, tanto Newton quanto Leibniz reconheceram até certo ponto a importância do "adversário". Leibniz disse: Considerando a Matemática desde o início do mundo até a época de Newton, o que ele fez é sem dúvida a melhor metade. Newton, por sua vez, na primeira edição do Principia, admitiu que Leibniz possuía um método semelhante ao seu. Infelizmente, na terceira edição, após o ápice das desavenças, Newton retirou a referência a Leibniz.

O desenvolvimento do Cálculo continuou com muitos outros matemáticos, como, por exemplo, Jacques Bernoulli, Johann Bernoulli, MacLaurin, Agnesi, Euler, d'Alembert, Lagrange e Cauchy.